segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

garotas

MONIKA

Alegrou-me saber que Monika
estudava agronomia.
É um curso para homens, diria
Lucas, mas eu, ao vê-la
imaginei que os olhos escuros
e que a clara pele afogueada pelo sol
cheirassem a erva e a sementes
e a flores queimadas pelo orvalho
e a terra encharcada pelas chuvas
e a frutos doces e maduros
caídos no chão, quando o cansaço
da terra torna-se um cicio
que é o réquiem dos meses quentes.
No entanto, Monika bocejava
quando a vi pela segunda vez.
Ao perceber-me, ela riu
e foi como se o último dos pássaros
voasse para o norte.
No rosto, o rubor empalidecera
e os olhos escuros estavam rachados
pela aridez e pela exaustão.
Todavia, continua linda – pensei
em silêncio, indagando-me
sobre a hora gloriosa em o que sangue
se incendiaria; chamado
que traria de volta as aves em exílio.
Monika, absorta, praguejava
contra o excel, contra as rutilantes planilhas
que bebem a luz que é apenas percebida
após ter estiolado a si própria.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Poema

TALVEZ, UM EPIGRAMA

Derrotaram-me as chagas
e o desdém das mulheres:
causou repulsa a carne
e meus olhos vazados
foram como os de um cego
que esmola pelas ruas.

O desejo é um cão,
ou um sol, ou morto
a se nutrir dos vermes
que lhe entram pela boca.

domingo, 18 de janeiro de 2009

trecho

Cansado das perguntas, Oklahoma deixou que o pensamento voasse para idéias mais agradáveis. Evocou Steinbeck, Ratos e Homens, relatos sobre a depressão dos anos 30. Havia beleza e, mais do que isso, havia dignidade na miséria exposta em tais narrativas. Como se as estradas e as paisagens por onde aqueles homens perambulavam em busca de trabalho compusessem um cenário que, para além de todo o horror, comportava esperança e novidade. E os homens que protagonizavam essas narrativas também pareciam guardar essa crença na esperança e no novo. Eram, por assim dizer, homens ideais caminhando por uma terra ideal, e era a bravura desses homens e a pureza dessa luz que Oklahoma ansiava quando formulara, a si próprio, o desejo de caminhar sob o sol e ser igual a todos. Mas o que Oklahoma julgava ter existido antes (em outro lugar, com outros indivíduos) era uma mentira; ele sempre soubera disso, mas havia tanta beleza nessa farsa que Oklahoma optara por manter a fé em algo que nunca acontecera. E por um momento – no começo de suas preparações para os concursos, logo após a conclusão do romance – acreditou que este poderia ser um Deus que seguiria e que nunca morreria: o Deus da Mentira Vital, ou seja, o Deus que o protegeria de toda a verdade sobre a mesquinharia existente em si próprio e também nos outros, o Deus que o manteria um homem belo e forte entre homens igualmente fortes e belos. Mas – agora percebia isso todas as manhãs – aquele que se revelera como um Messias não era mais do que um falso profeta; de modo que Oklahoma, à medida que se fundia à massa humana que o cercava, mais se fundia ao triste cheiro que vinha dos outros candidatos. Para onde quer que ele olhasse, enxergava desespero, avidez, egoísmo, a disposição de vender-se e de traparecear por qualquer quinquilharia.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Poema

Aqui me achei gastando uns tristes dias
Camões, Canção IX

Leio sobre salgueiros,
auroras boreais,
flores de muitos nomes
e oceanos bravios –
tudo tão estrangeiro
à feiúra da qual
não posso me apartar.

Pois eis o que conheço:
comércios miseráveis,
indústrias em ruínas,
cadáveres de animais
ao sol, céu poeirento,
capim, pedras de fogo
e jardins destruídos.

Às vezes, tal feiúra
quase desaparece
e o que vejo, nas ruas,
são lindas raparigas –
vejo seus rostos claros
batidos pelo sol
e mais: ouço alegria
em suas vozes, sinto
que a luz que por seus corpos
brinca, tão irisada,
é a mesma luz que esgota
os rios que são seus olhos
enquanto segue o fluxo
dos dias sem história.

E tal feiúra, digo,
já vi se transmudar
em tardes violetas
escarlates, douradas.
Já vi as nuvens baixas
e já vi o alto céu
rebentar e lançar
abismos e vertigens:

Não são deuses que morrem
ou sangram, ou ofertam
o que não será nosso.
É somente a feiúra –
não há êxtase, não
há luz que dure mais
do que um dia de sol.
No entanto, é aqui
que devo persistir;
é aqui, na feiúra,
que essa luz tão impura
haverá de queimar.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Poema

1 de Janeiro - Apontamentos

Raiva, raiva contra o morrer da luz

Dylan Thomas


1.

Bombas estouram sobre a cidade
e nós aqui: apartados de todo o resto
em desterro ou talvez em fuga.

O amor também pode ser quietude
e medo e ternura – enfim, uma alegria
que incendeia a si própria
e que talvez não renasça.

2.

Observo Margot. Ela tem olhos alegres
e agita fitas amarelas e roxas
para a euforia do gato pequeno.
Entre uma risada e outra, ela
ergue o rosto afogueado e pergunta
Por que ele cresce?
(embora o que eu entenda seja
Por que ele morre?)

Mais bombas explodem. No cômodo ao lado
ouço vozes ao redor da mesa.
É terrível que todos ainda estejam vivos
e que Margot ainda brinque e que
o gato pequeno ainda seja pequeno:

Tanto lixo haverá de vir
e se o silêncio não soterrar as nossas vozes
haverá de mudá-las em um murmúrio
que se esbaterá como a fraturada luz
antes de se romper.