segunda-feira, 27 de julho de 2009

poema

AGOSTO ou A CHEGADA DO CALOR

Julho se esfarela e agosto
se alça sobre as nossas cabeças -
um sol limpo e antigo, que desperta
a paixão pelas línguas latinas.
Na chama da candeia acesa
busco versos que me falam do calor,
do medo da morte violenta,
das empoeiradas brisas no crepúsculo,
das faces turvadas pela marijuana,
das mulheres perfumadas após o banho,
das crianças que brincam na noite,
do luar que umedece as sombras,
dos vagalumes em praças alegres,
do jasmim que dorme ao relento
e das cidades onde o silêncio é um marulho.
Sol limpo e antigo, tão enrodilhado
na primavera que a sufoca e mata.
Logo virá dezembro, logo virá janeiro,
tardes pesadas, mormaços,
cheiro de terra, de chuva e torpor.

terça-feira, 21 de julho de 2009

garotas

ANDREZZA

Andrezza se espreguiça na manhã
e como se estivesse molhada
a blusa se cola ao corpo
e ao desenhar o seu ventre insinuante
- de um erotismo inefável -
quase me esqueço dos segredos
que ela me conta sobre a família;
o rancor sempre presente,
a vida dupla da mãe e das irmãs,
o conflito de todas pela herança
enquanto o pai, espécie de Lear,
adormece diante da tevê.

terça-feira, 14 de julho de 2009

poema

"É um mundo sem mistérios: os corpos
pedem apenas o que pode ser
gozado – e o que pode ser gozado
é o real, a tão imensa quanto
falhada força de outro corpo.
E é bom que seja assim. É bom que não
possamos ir além, pois ir além
é ter os olhos cegos pela luz,
é o desterro da casa parterna,
é ver apenas o que não existe
na força que extrai a aurora da noite."

Estas foram as palavras de César
no verão em que perdemos a infância,
época de sua primeira fuga.
Meses depois, informou que habitava
um país gelado, de pouca gente:
"Na praia, com as gaivotas e os velhos,
recebo no rosto a primeira luz
enquanto o negro e fundo mar clareia
e mostra os seus limites. Sopra a brisa
e a sua voz de sal, enquanto avança,
basta para que o corpo regozije
e se esqueça do que nunca existiu:
Ulisses singrando as vagas do mar
e a redenção posta além do que é humano.
Pois o que preciso é pouco: silêncio
em mim, um trabalho físico e simples,
jogar com os velhos enquanto cai
a luz, e se o coração não bastar
bastar-me-ão as mulheres vulgares." –

Voltou a dizer César, e foi este
o seu adeus ao mar e à pura luz.
Dias depois, cheiro de algas podres
levou os velhos – colegas de jogo –
ao cadáver de César: olhos vítreos,
rosto caído sobre poucos versos,
o vermelho dos pulsos já escuro
(qual raiz queimada pelo sol)
e, compondo o cenário, uma voz
a princípio tão monótona e lúgubre
que apenas depois, e com muito espanto,
os velhos souberam o que se entoava:
era moon river que se repetia
enquanto o sangue vazava e secava.

domingo, 12 de julho de 2009

de volta às garotas

MARINA

Adorava rir e era extasiante
fazê-la rir, mirar os seus olhos alegres,
senti-la com a palma da mão
e ter a sua cabeça em meus ombros.
Mas um dia Marina desapareceu
e sobre o sumiço vieram os boatos -
uns diziam que realizou
o sonho de ser aeromoça;
outros, que partiu
e não realizou sonho nenhum.
Mas são rumores, e ainda hoje,
quando vou pela Rua dos Ipês,
olho o prédio em que Marina vivia
e, lembrando-me do seu riso,
pergunto-me que destino seria o dela.

Setembro - 2002

quarta-feira, 8 de julho de 2009

poema

Chegam as tardes de estio
e em mim a percepção
do que é o tempo e o sol:
em tudo o que olho, cansaço
e um princípio de velhice;
nas praças, tudo são árvores
cujas sombras esmaecem
e mal protegem os corpos
das ociosas meninas
que descansam no areal.

E eu as olho, temeroso
da triste hora em que o sol
lhes crestará os cabelos.
Eu as olho, e a ternura
é um sentimento cruel
e por isso as tardes cheiram
mal; como se os muitos mares
guardassem sereias mortas
e aos homens, o que se eleva
é um pesado silêncio
e ao odor da maresia
misturam-se tédios, vícios,
crepúsculos venenosos,
e em tudo a corrupção:
no corpo que se deseja,
no espírito que resiste,
no coração que ferido
suja de vermelho o dia.