domingo, 27 de junho de 2010

Trecho

Cansado de tanto pensar, e do medo, e da máscara de mudez, e do exílio do amor físico, Peter recostou-se na espelho ao fundo do elevador e fechou os olhos. Segundos depois percebeu que seu corpo era interpelado pelo corpo de Mary. Não precisou abrir os olhos para saber que ela tentava se moldar a ele, também exausta. Estranho como a pele de Mary, ainda que através do grosso sobretudo, permanecia álgida. E Mary, com o rosto colado ao do amante, indagava-se se realmente seria triste não estar mais ali. Em geral, a resposta que tinha era a de que seria triste estar em qualquer lugar. Noutras vezes a consciência da dúvida permitia que Mary fosse ceifada por uma tristeza oriunda de uma mistura da ternura e culpa - tudo unido, tudo compondo um único réquiem, tudo exercendo um estranho papel coadjuvante; como se o que movesse a existência ultrapassasse qualquer sentimento nominável. Algo como a rotação da Terra, cabendo aos sentimentos o papel dos pequenos corpos presos a esse girar em torno de si próprio (satélites, pedras alienígenas, poeira de estrelas - pequenas existências incapazes de se incendiar na atmosfera e incapazes de escapar da força que as mantém ao redor de um corpo maior, perdendo-se na fria e esvaziada liberdade que nada significa).

conto completo  aqui