terça-feira, 24 de maio de 2011

Para A Menina Que Mentiu o Seu Nome e Disse se Chamar Francisca

     Francisca, me dá a tua boca e o teu ventre.
     Francisca, me dá a tua madrugada de raízes túrgidas.
     Francisca, me dá um céu matinal e os teus cabelos na penumbra azul.
     Francisca tão igual a do poema de Manuel Bandeira que a ele direi: "Que bonita era Francisca.  Tão bonita que, ainda quando nada me dava, eu nunca deixava de dizer: "Que bonita era Francisca! Que bonito era o nome de Francisca!".

     A Francisca tanto eu pedi
     apenas por se chamar Francisca.
     Mas a ti, menina, a ti eu pedi tão pouco
     e tão pouco pedi apenas para dizer ao amigo morto:
     "Eu vi Francisca indo embora.
     Eu vi as auroras solitárias e com chuvas que principiaram bonitas."

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Para Thaís Emília, Que Ama as Mexericas

                                  Na aurora faz frio
                                                                                                e o abraço de um corpo seria uma vida.
                                                                                                        Cesare Pavese, "O Jantar Triste"


Será um esplendor a aurora
em que Thaís Emília voltar a queimar.
O céu ainda estará gelado. As estrelas
sumindo no arrebol serão cristais de neve
desmanchando-se sobre a cidade
em brisas de neblina e orvalho.
E Thaís Emília, quando o seu corpo
for colhido pelo outro corpo contido
nessa fria aurora, lembrar-se-á
das mexericas que tanto ama
e que tanto a intrigam. Lembrar-se-á
da improvável, da cítrica doçura
propícia ao calor, mas que longe do calor
amadurece – o que é uma alegria
e um mistério; a hora branca
manchada por aromas que da terra
ascendem, que na terra fermentam,
que na terra bebem o sol
mais distante, mais ínfimo.
Será um esplendor a aurora
que desvelar o corpo de Thaís Emília.
A boca e o sexo como nascentes
vermelhas e os seios róseos iguais
às tangerinas do frio, às tangerinas
de cítrica doçura, às tangerinas
cujo sabor e exaltação pedem
o sol e a sua língua de fogo.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Para Carolina, Que Escreveu Um Poema Durante a Aula de Matemática (modificado)



Também para isso servem
as aulas de matemática:
tantos números, tanto sono,
tantas palavras presas
aos olhos que adormecem – erva
que cresce porque é erva.


E erva não é apenas
um cadáver ou a relva
pisada durante as tardes
e respirada nas manhãs:
suor de orvalho evaporado.


Erva também é frêmito
e o que mais arqueja
sob a pele: garganta
que é um rio aprisionado,
coração que sufoca
porque deixa de ser sangue
para ser algo estragado.
Algo que ao sol levamos;
ao sol, aos ventos, ao
precário piano que é
a juventude. 


Cabelos úmidos de orvalho,
olhos gotejantes de sono
a manhã fria e o frêmito
que é levado ao sol, aos ventos
e ao mole cheiro dos gizes.
Raiva que pode ser ternura
pois também para isso servem
as aulas de matemática:
para que uma funda palavra
risque a manhã e depois,
percebida oca, afunde
e alcance uma fundura tal
que seja possível voltar para casa.