Há dias que se prendem à memória
como se fossem o nome de um morto.
Lembro-me de uma tarde chuvosa,
da juventude, da luz em queda,
dos tediosos minutos, da praça
e da catedral tão vazias ao anoitecer.
Lembro-me de caminhos brumosos
e de como havia placidez
nas poças d'água espelhando o néon
nas pétalas caídas sobre a terra
no murmurejar da chuva
sobre a cidade esfumada.
Lembro-me também do reencontro
com uma antiga colega, uma rapariga
cuja beleza nunca atingiu o esplendor
e que já naqueles dias começava a fenecer
enquanto em mim, a tristeza,
ia além da vontade de chorar
e muito tímida revolvia o desejo
de nunca ter nascido.
E tanto naquele dia como hoje
permanecem em erro
o espírito, o coração,
o amor colhido e ofertado.
Foi cantado: os anos são de mudanças
mas também deve ser cantado
que algo permanece em inércia.
Pois, como antes, o anoitecer chuvoso
e nevoento o horizonte.
Como antes, incendeia-se
a alegria que haverá de regressar.
Como antes, algo se inquieta, algo
que não existe e que nunca
poderá existir. Algo como nostalgia
de uma luz nunca vista
e que permanece, estiolada,
dentro do espírito ignorante.
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Que alegria! Tão bom poeta Vc é que seria um atentado ter abandonado os poemas. Só escreve poesia desta qualidade quem tem um mundo próprio que a informe, tornando-a universal e nossa. Um grande abraço, um abraço de oito mil quilómetros e também caloroso e chegado de quase real.
ResponderExcluirEu faço eco da alegria de nd. Tinha saudades de um poema assim, Daniel!
ResponderExcluirO final deixou-me com um nó na garganta, estes versos:
«Algo como nostalgia
de uma luz nunca vista
e que permanece, estiolada,
dentro do espírito ignorante.»
Manuel, Soledade
ResponderExcluirNão respondi antes porque tive problemas com um vírus. Fiquei realmente feliz por terem gostado do poema. Desde que comecei a escrever prosa, em meados de 2004, foi como se uma porta tivesse abrido e outra se fechado. Eu passei a ter muitas dificuldades para pensar em versos. Por isso me surpreendi com a vontade de escrever um poema após tanto tempo. Espero, a partir de agora, pode ter transitar entre o modo mental da prosa e da poesia com mais desenvoltura.
Abraços, Daniel
poemas com aventuras narrativas.
ResponderExcluireu gosto.