sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Uma Cidade Ainda Menor

A uma cidade ainda menor cheguei.
Vim por estrada antiga, pontuada apenas
por vazia tristeza e igual a cemitério
de sepulcros sem lápides – cada morto é
cruz de ferro sem nome que o barro arruinou.


Em manhãs fogaréus, diviso orvalho e cinzas
e diviso a planura que, finda a colheita,
incendiada foi. E penso: "igual fado
queria que tivesse o amor, após deixar
encarnados fantasmas no escuro da mente".


Mas cérebro de fogo não há, e à cidade
ingresso, relutante, as memórias presas
a maiores lugares e ao maior anseio
de impedir que desbotem esmeralda e rubi:
olhos e corações que me foram raízes


e que longe queimaram. Praças das infantes
chuvas e das infantes catedrais, mortos deuses
no céu de estrelas mortas; céu cujo luar
foi primeiro sudário e rito irremível
para o encolher do espírito, que morada teve


em ínfimos quinhões: aurora de rosada
orla e ocaso de rubra espuma - dois ardores
e entre eles tolhido arquejar e tolhido
esbrasear da pele ante a mais leve sombra
do exílio que se vence e das devolvidas


aves em adejar manso – tudo a lembrar
como a terra seria dócil se as mandíbulas
do dia se quebrassem, se o longo labor
não findasse em poeira vermelha ou em pai
a pedir: "é chegado o dia da indulgência?"


Atônito, calo-me e penso em escapar
do vilarejo como um dia desejaram
os velhos que diante de mim perambulam.
Ignoro o que por eles foi consagrado
quando jovens, muito antes de aqui aportarem,


quando um corpo era santo pois podia ser
aberto em mil sabores e mil plenitudes
saborear queria. Luz primordial
é luz somada a luz, é sonho de que tudo
fecunde na partilha, mundo milagroso


e no mundo nenhuma morte, queda, pranto
e nenhum animal agônico: cavalos
cegos, cães mutilados, homens encaminhados
de onde o sol tem mordida mais feroz.
São estes os homens que a terra queimarão


e o dia findará como se não houvesse
fim. Ventos endurecidos, calor dobrado,
crianças entre as sombras, sussurros voltados
ao morto vespertino e, alheia a tudo isso,
uma voz rumoreja, clara, na hora escura.


Um açude também existe, mas não sei
a fundura ou pureza da água que abriga
os pássaros do estio em fuga, inscientes
(negras e brancas plumas do sono e do sonho)
de que evocam a infância de homem já caído.

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