quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Tribunal: Augusto

AUGUSTO


Se a Augusto, que nunca teve o hábito da leitura,
fosse incumbida a magna e dolorosa tarefa
de gravar nas portas de mármore do tribunal
(embora a sede do tribunal de nosso burgo
não seja mais do que uma creche abandonada)
o que é a justiça dos homens (afinal, Augusto
serviu esta casa por quarenta anos)
ele provavelmente olharia para o próprio coração
e apenas diria Por aqui ter entrado
aqui deixei toda a minha esperança.
Feito esse trabalho, uma sombra de silêncio
cairia sobre Augusto, que então evocaria
os seu idos dias enquanto diretor
e por que motivos mesquinhos perdeu o cargo:
deixou de mandar à incineração
os papéis que deveriam ser incinerados.
Por mais de um ano os processos
ficaram nos fundos do tribunal, expostos
à chuva e ao sol, exalando um nauseante cheiro
de bolor até que a sorte de Augusto foi selada
por um cadáver de rato ali encontrado.
Mas os ratos tomaram conta deste prédio
há décadas. Eles estão em todas as sombras -
ainda argumentou o pobre
à magistrada que lhe tirou o poder.
Isto, é verdade, aconteceu há muitos anos
e por muitos anos Augusto continuou a servir
à lei e aos magistrados.
Não havia sequer um dia que, magoado,
deixava de maldizer os ratos que haviam sido
a sua ruína. E assim ferido, Augusto,
continuava a perseguir as belas advogadas
e jovens prepostas que sequer conseguira ter
quando se julgava poderoso.
Estes os últimos dias de Augusto no tribunal
e se a ele fosse incumbida a tarefa
de dizer o que pode acontecer a um homem
teríamos então o mais próximo relato
do que Napoleão sofreu na ilha de Santa Helena.

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