quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Terra Plana Como Um Lago

Sei de uma terra plana, que afunda nas horas
como se ao fundo de um lago estivesse –
não rio, não regato, nada que indique fuga
ou fluxo e nada que receba os despojos
tidos ou perdidos em outras vazantes.


Apenas um lago: as águas claras durante
os movimentos cristalinos do dia
e nunca pura sombra porque são águas
rasas e, ainda durante a noite,
o luar filtrado tremula como um peixe
que a luz trespassa e assim intangível
tangencia o negro silêncio.


Sei de uma terra como um lago e de uma aldeia
submersa e que essa aldeia
não é cruzada por qualquer rio.
O céu é uma transparência gasosa que,
entre essências de grama selvagem,
bananeiras e samambaias, traz antes
o cheiro da noite e depois os astros.


Os rios e mares que existem (se é que
existem) são apenas memórias
sem sangue e sem ossadas:
o oceano descoberto durante a infância,
o sujo tietê que nunca significou exílio,
vltava e sena vistos durante o outono
(vltava enquanto o sepulcro de um fantasma
sem rosto que ali morreu afogado
e que, com a sua voz de seixo roído,
uiva para os homens e para as estátuas
da ponte Carlos e uma chaga
nasce em cada coração;
sena tido entre goles de cerveja
e que, margens ondulantes e agudas,
serpenteia sob a luz e sob a febre
como imorredouro corpo de fêmea).


Rios perdidos ao cruzarem
planícies onde não fica a minha casa
pois estar em casa é algo que dói
dia após dia sem nunca deixar
de significar alegria. Rasas piscinas
e rasos lagos ao pé de árvores tísicas:
lembro-me de como a morte da avó
feriu os vossos flancos e lembro-me
de como o amor, sarça ardente em noite de abril,
chamou morcegos, vaga-lumes, estrelas
e era como se uma nascente houvesse
para que o luto e o esplendor vazassem.

Um comentário:

  1. Daniel: continuo a gostar muito de te ler.Nºao quererias regressar à nossa lista?Um abraço

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