sábado, 28 de agosto de 2010

Poema

MARISE

Sal, espuma, sol: de Marise a pele

parece ecoar ardências perenes
ou ardências somadas tão velozes
que entre elas não há vazio maior
do que há entre o arfar saciado
e o voraz arfar, cada qual nascido
de amante distinto e insciente
de que o louco sangue do coração
pode ser o do outro e, no entanto,
nada pulsa que dê a dois ardores
mesma língua e mesma duração.


terça-feira, 24 de agosto de 2010

Poema (enfim corrigido)

1.


De todas as lindas garotas, tu
foste a primeira a encontrar terrível
desterro - e terrível é porque anjos
não te acolhem, porque a catedral
é pedra sobre pedra de silêncio
e porque de teu coração, aberto
às raízes nada germina além
de escura seiva. Foi jovem o sol
e agora, o que é jovem, é inútil
como o que resta, no frio balneário,
de claro festival: a orla avança,
o sal rói os brinquedos, os barcos
nunca mais partem porque água e céu
são inóspitos e porque as gaivotas
as máquinas arruinaram, gaivotas
que são todo movimento que há.


2.


De todas as lindas garotas, tu
foste a primeira a encontrar distância
sem limites; silêncio sem tremor
de palavras futuras; irmãos
sem gestos e sem rostos conhecidos.
E se ainda tens olhos, olha Cristo:
vê como o coração, eterna chaga,
deixou de sangrar e relembra a hora
em que as órbitas volveram sem vida.
Sobre a tarde caiu negro relâmpago
que se afundou na terra, mas não fundo
a ponto de macular as nascentes.
O coração todo seiva esgalha-se
e volta a subir porque um coração
nunca é subterrâneo e nunca morre
sem paixão de ser claro festival.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Laura (7 cantigas)

1.


Porque um homem não a teve, Laura,
uma primeira canção foi criada
para ti, também a primeira amada
que não foi sombra, mito, ou aura.


2.


Dia ou noite, basta ter longo olhar,
para saber de Laura: o verdor
dos arvoredos e o negro calor
são sementes no coração sem par.


3.


Se falo da tristeza das vazantes
é porque sei do rio cuja nascente
é o fundo beijo de Laura – fremente
eco de sereia sussurrante.


4.


Fim de tarde, caem seguidos véus
sobre Laura; langor e silêncio tornam
o corpo manso; da chuva retorna
a doçura dos olhos cor de mel.


5.


Canta Laura: a infância foi fruto
de polpa escarlate e casca amarela.
Pousava a noite sobre a casa velha
e eu não temia o que era maduro.


6.


Laura descalça em terra semeada,
os seus pés esmagam o hortelã –
não importa que a vida seja vã
se existe canção pelo sol manada.


7.


Ainda ouço o grilo e a última estrela.
Laura aqui dormiu, junto às ninhadas
que à vida aportavam. Aurora opaca
também mata o jasmim e a açucena.