domingo, 17 de outubro de 2010

Sobre o Verão

O céu é uma sombra baixa.
Uma sombra cuja impureza
é egressa da primavera
e da fecunda poeira
que em rubros espirais
subiu em busca do sol.


Mais véu do que nuvem
nenhum fogo o varreu
até que o vermelho
viu o redobrar da luz
e a chegada de dia longo:
vulto pesado, esmaecido
e um coração escuro
trespassado pelo que restou
das colheitas e dos festivais.


Mais do que açoite, a calidez
que à noite assoma
é o tremor de uma corda
até o limite tensionada
e não há consciência
que não perceba esse tremor
como uma voz interna e voraz.


O dia e a noite serão tristes
se não houver mar ou açude
para que o corpo afunde
e o dia e a noite serão tristes
se a doçura de nenhum fruto
não manchar o crepúsculo
e se a acidez de nenhuma vontade
não se abrir ao luar
e não for bebida por bocas
presas ao travo da juventude.
Apodreceremos juntos: eu, você,
o coração, a carne,
o vigor do abraço que do seu corpo
nunca obteve o molde.

domingo, 10 de outubro de 2010

Trecho



A terra de um homem é onde os seus pés pisam, eis uma frase bastante dita por Gregor Duduch, velho exilado das brumas irrecuperáveis de um mundo que, após convulsionar de ódio e miséria por duas vezes no espaço de duas décadas, terminara os seus dias como plantador de café nas áridas planuras do nordeste paulista. Ele dizia a frase com um tremor na voz. Como se as palavras estivessem cravadas em seu coração e de lá não pudessem ser extraídas sem uma dor que ultrapassasse os limites desse próprio coração, e, ainda depois de proferidas, o que permanecia em Gregor era um vazio de margens trêmulas, que pouco a pouco – como uma maré que desce – perdiam fundura e alcance, até a própria certeza de espírito árido se esvair em si própria. A frase era obviamente uma mentira, mas Gregor a proferiu tantas vezes que esta farsa tornou-se o maior tema de seu envelhecimento; tema este que alcançou a sua variação mais desesperada quando Gregor Duduch, agora um corpo quebrado pelo câncer, o azul dos olhos recoberto pela opaca membrana da morte próxima, disse a terra de um homem é a terra onde o seu espírito foi esquecido. As palavras foram ditas a Luís Fonseca, o seu genro, mas não se tornaram célebres como a sentença banal e mentirosa que se pespegou a Gregor com a natureza simbólica de um epitáfio.

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