sábado, 19 de maio de 2012

Cantiga Enamorada


O que quero, enamorado, 
é o mais doce dulçor,
é este beijo que lembra
maçãs de amor, namorada. 
Me dá este beijo e vem
morar em minha tristeza
que em teu riso enamorado 
o meu pesar adormece
tão leve e primaveril.
Sorve o dia, namorada,
este vinho tão doído,
esta rosa devolvida
por terra então exaurida.

Sei que o sol, enamorado, 
tanto demorou  a vir
mas hoje o pranto e seus véus
são arco-íris, namorada. 
Cada dia que morreu
morreu pálida açucena
em jardim que namorado 
sozinho cuidou - relvado
onde o orvalho secou
sem evocar, namorada, 
os teus olhos de alegria
úmidos, estes teus olhos
do quais bebi toda lágrima.

domingo, 6 de maio de 2012

Sobre A Tristeza dos Domingos


Talvez o que mais doa no domingo
não seja o silêncio ou a antecipação
do trabalho que, inexorável, retornará.
Talvez o que mais doa
seja de que modo a luz - a límpida luz
que descortina as manhãs de domingo -
cai na treva. Uma melancolia
que avança feito maré; um oceano
de sombras crescentes que, em seu limiar,
ainda traz espumas que cheiram a sol
e toda a sorte de constelações
até que vem o soçobrar das águas.
Vem um silêncio que é o pungente
réquiem da luz. Cambiante, difuso funeral
do único deus que os olhos
um dia lograram ver.
Inevitável naufrágio de um alvorecer
em que o fogo foi infinito; em que a luz
foi um irisado perfume de cabelos
batidos pelo sol; em que o maduro canto 
da tarde foi de um fruto que, doce,
parecia que nunca apodreceria.
Principia o domingo, tão leve,
e principia um poema que só pode ser escrito
com palavras leves: tangerinas, tamarindos,
risos de crianças ora vindo das macieiras
e ora vindo do azul do céu, pipas a adejar,
uma súbita lembrança vinda da infância
que, destilada pelos anos,
torna-se este vinho tão raro de ser bebido:
este vinho com gosto de sol, este vinho
que abranda o sangue, este cálice breve
que sorvemos com um longo gole,
esta doce tontura que diz a vida é nada
apenas porque a vida é tudo,
este esplendor do qual um velho
pela primeira vez se viu apartado
sob a trêmula e sôfrega luz de Bizâncio:
Jovens aos beijos, saltos de salmão,
aves a cantar, música sensual
até que as sombras se fecham
e a calmaria de um negro oceano
dilui tudo o que era espuma e ardência.
Longe, tão longe, dobram os sinos
da fúnebre catedral. Entre sombras,
sombras se arrastam. A cidade é inerte,
tudo ganha uma qualidade de silêncio
(até os cães que ladram) e não há
coração humano que não seja 
pesaroso como o mármore;
não há coração humano que não se perceba 
cindido por súbitos abismos de sombras.