domingo, 24 de julho de 2011

Julho

No céu, nenhuma sombra. É o sol
que volta a ser maciço.
Cintila e fere os olhos, embotando-os
e embotando a imagem
que para si cada homem construiu.


As árvores já mortas
e ipês de cores já plenas pontuam
uma única avenida.
Ainda se evapora o último orvalho
e o calor é silêncio.


Trabalho que não cessa, caminhões
que toldam o ar de negro,
o almoço gorduroso feito às pressas
e pesado o torpor.
Não há corpo que não queira dormir.


Raivosa e crua luz meridiana
e o seu coração sujo.
O céu é torvelinho. Lancina a tarde.
Um vento carmesim
torna ásperos suor e epiderme.


Se os dias são poemas
são poemas que integram alfarrábios
que toda a gente leu
sem saber que leu – elegia vinda
dos pianos da infância.


E se os dias são poemas, os versos
ardem como esta luz
trêmula e sôfrega que corta o ar
e que ateia fogo às asas dos pássaros.
Cinzas que toda a gente
respira como se não respirasse.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Insônia

Deixa o frio de ser branco
quando venta e é noite:
rumor de samambaias.


Mais longe, o luar
e o seu véu cristalino
no céu adormecido.


Sou um homem doente
e tenho olhos que doem:
tudo perde a irmandade.


Um corpo não é rio.
A morte não é mar.
Na aurora, um insone


não distingue a penumbra
das mãos a clarear.
Aurora naufragada


e seus bichos sonâmbulos:
meu sangue que goteja
até que haja manhã.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Domingo, a partir de Fernando Pessoa

Ninguém conhece que alma tem,
mas a alma aparece e dói
como algo que desperta e cai
em sua álgida nudez.
Os céus opacos então ferem
por serem opacos, e as noites
então vazias escavam
abismos por serem vazias.
Há dias de brumas e mágoas
e todas as mágoas se emanam
da dor deixada aos nevoeiros
ainda antes dos nevoeiros.