quinta-feira, 24 de setembro de 2009

poema

30

Tornei-me o recatado bluesman:
o homem que ainda busca Ítaca
mas não em águas fecundas para o heroísmo.
O homem que apenas busca Ítaca
na repetição dos gestos
na palidez dos afetos
no lento pisotear com que o tempo
transforma o rosto do meu pai
no rosto de um morto, e o meu rosto
no rosto de outro homem.
As tardes – aqui, no México, em vilarejos
onde os corpos terminam
como manchas de bolor em frias paredes –
as tardes são tudo o que um homem
pode ultrapassar. As tardes
são tudo o que açoita a carne.
As tardes são o estiolar do lume
que o coração em si próprio
acendeu. As tardes são
a sombra que escurece as águas
e mal se contempla
o que jaz submerso: peixes
que perdem o brilho, algas
e o amor como algo que não respira,
o amor como uma pedra nascida
azul ou vermelha, o amor como uma pedra
nascida para deixar de ser
azul ou vermelha.

Um comentário:

  1. porra, cara, que do caráleo isso aqui! foda messss...

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