domingo, 11 de outubro de 2009

duas anotações sobre o calor

1.

Lembro-me dos dias em que escrevia poemas e dos sábados em que descia às ruas do centro e gastava as as tardes jogando sinuca. Voltava para casa às sete ou oito horas da noite. Como era março - e como naquele ano o verão ficou marcado pela ausência de chuvas - eu caminhava sob um entardecer incendiado. No ar poeirento e com um cheiro de sol antigo e terra queimada, à medida que cruzava os quarteirões da cidade velha, um fedor de gordura podre ganhava o meu rosto. Passava muitas noites de sábado em casa e escrevia sobre isso: a agonia das samambaias no tempo seco. Às vezes ouvia Trio Los Panchos ou Leonard Cohen.

2.

Nunca soube o motivo do Senhor Hambúrguer ficar aberto durante a noite: havia poucos clientes e eles só atendiam a jovens sem dinheiro como eu e Cartago. Recordo que, em uma noite de sexta, eu e Cartago jantávamos antes de seguirmos para o cinema da Rua Etrusca. No Senhor Hambúrguer, todas as outras mesas estavam vazias e a luz que descia - uma claridade branca e onipresente, a qual não permitia que qualquer recanto do estabelecimento se ocultasse nas sombras - era, a um só tempo, doce e alheia.

Após o jantar, andamos os poucos quarteirões que separavam a lanchonete do cinema. No caminho, encontramos uma menina de olhos esverdeados (mas que, à luz crepuscular irradiada pelos postes, assumiam um brilho quase violeta), ombros magros, pele clara, cabelos ondulados. Ela riu para Cartago e conversamos por alguns minutos. Depois que ela foi embora, Cartago disse-me uma das frases que consagrou aquele verão às garotas perdidas:

Sabe esta menina? Fui apaixonado por ela há seis ou sete anos.

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