quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

trecho

Entrou no ônibus, que estava completamente vazio. Ajeitou-se em uma poltrona e passou a olhar pela janela. Da carcaça metálica do ônibus saía uma fumaça quente e espessa, que aumentava a distância entre Oklahoma e as pessoas lá fora. No momento seguinte, som de vozes e passos: passageiros entravam no ônibus e ajeitavam-se em seus acentos. Aroma de café preparado durante a noite e requentado pela manhã, também cheiro de suor, de homens que não trocavam as suas roupas há vários dias. Todo o ônibus estremeceu e, logo em seguida, pôs-se em movimento. Oklahoma ainda olhava pela janela: contemplava a Avenida das Palmeiras, o ribeirão de águas castanhas, os escassos vultos que entravam e saíam dos bares. No alto de todos os postes da Avenida das Palmeiras, lâmpadas ainda acesas emanavam um brilho amarelo que, ao misturar-se com o nevoento amanhecer, era um borrão que nada iluminava. Debaixo das árvores frondosas, as sombras eram mais espessas e haviam adquirido um matiz esverdeado. Oklahoma pensou no romance que escrevera, em Carlos Shangai, em Pizarro, nos anos idos, e então percebeu que nunca se despedira da terra santa em que vivera as aventuras da juventude e por onde haviam caminhado as musas que haveria de esquecer. Nô mais, Canção, nô mais, Oklahoma evocou o verso de Camões, disse para si mesmo que aquilo que existira antes não existia mais (e havia deixado de existir sem qualquer alarme, sem qualquer preparação), e sonolento ajeitou-se na poltrona, com a certeza de que envelhecer era apenas isso: perceber a inutilidade e a precariedade dos deuses de outrora. No sonho que se sucedeu ao fechar de olhos, Oklahoma vislumbrou um Olimpo em queda. Caídos sobre as escadarias dos santuários em ruínas, corpos de divindades antes fulgurantes, vigorosas, todas traídas por um pueril promessa de imortalidade, e Oklahoma, enquanto caminhava pela cidade destruída, perguntava a si próprio como aceitar, pacificamente, os deuses da morte e da velhice.

Nenhum comentário:

Postar um comentário