terça-feira, 14 de julho de 2009

poema

"É um mundo sem mistérios: os corpos
pedem apenas o que pode ser
gozado – e o que pode ser gozado
é o real, a tão imensa quanto
falhada força de outro corpo.
E é bom que seja assim. É bom que não
possamos ir além, pois ir além
é ter os olhos cegos pela luz,
é o desterro da casa parterna,
é ver apenas o que não existe
na força que extrai a aurora da noite."

Estas foram as palavras de César
no verão em que perdemos a infância,
época de sua primeira fuga.
Meses depois, informou que habitava
um país gelado, de pouca gente:
"Na praia, com as gaivotas e os velhos,
recebo no rosto a primeira luz
enquanto o negro e fundo mar clareia
e mostra os seus limites. Sopra a brisa
e a sua voz de sal, enquanto avança,
basta para que o corpo regozije
e se esqueça do que nunca existiu:
Ulisses singrando as vagas do mar
e a redenção posta além do que é humano.
Pois o que preciso é pouco: silêncio
em mim, um trabalho físico e simples,
jogar com os velhos enquanto cai
a luz, e se o coração não bastar
bastar-me-ão as mulheres vulgares." –

Voltou a dizer César, e foi este
o seu adeus ao mar e à pura luz.
Dias depois, cheiro de algas podres
levou os velhos – colegas de jogo –
ao cadáver de César: olhos vítreos,
rosto caído sobre poucos versos,
o vermelho dos pulsos já escuro
(qual raiz queimada pelo sol)
e, compondo o cenário, uma voz
a princípio tão monótona e lúgubre
que apenas depois, e com muito espanto,
os velhos souberam o que se entoava:
era moon river que se repetia
enquanto o sangue vazava e secava.

2 comentários:

  1. Um longo poema - mais no que diz do que no seu número de versos. No seu melhor estilo. Embora sem pontos de contacto (pelo menos visíveis), recordei-me daquele poema e da fabulosa imagem do vulto canceroso no mar.

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  2. Na verdade, a maior referência enquanto escrevia o poema foram versos de Cesare Pavese. Não por acaso, o personagem do poema se chama César. Mas concordo com você - o poema lembra, sim, aquele poema que falava do homem canceroso que morre na praia.

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