domingo, 11 de janeiro de 2009

Poema

Aqui me achei gastando uns tristes dias
Camões, Canção IX

Leio sobre salgueiros,
auroras boreais,
flores de muitos nomes
e oceanos bravios –
tudo tão estrangeiro
à feiúra da qual
não posso me apartar.

Pois eis o que conheço:
comércios miseráveis,
indústrias em ruínas,
cadáveres de animais
ao sol, céu poeirento,
capim, pedras de fogo
e jardins destruídos.

Às vezes, tal feiúra
quase desaparece
e o que vejo, nas ruas,
são lindas raparigas –
vejo seus rostos claros
batidos pelo sol
e mais: ouço alegria
em suas vozes, sinto
que a luz que por seus corpos
brinca, tão irisada,
é a mesma luz que esgota
os rios que são seus olhos
enquanto segue o fluxo
dos dias sem história.

E tal feiúra, digo,
já vi se transmudar
em tardes violetas
escarlates, douradas.
Já vi as nuvens baixas
e já vi o alto céu
rebentar e lançar
abismos e vertigens:

Não são deuses que morrem
ou sangram, ou ofertam
o que não será nosso.
É somente a feiúra –
não há êxtase, não
há luz que dure mais
do que um dia de sol.
No entanto, é aqui
que devo persistir;
é aqui, na feiúra,
que essa luz tão impura
haverá de queimar.

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