domingo, 8 de março de 2009

Poema

MAIS VELHO DO QUE TELÊMACO

Estar aqui, na casa paterna,
entre os animais e o pomar
cujos frutos, colhidos pelo dia, apodrecem
sobre a terra, à sombra da infância.

Por mais quantos anos isso durará?
Percebo que fiquei tempo demasiado
e que se exilar desses jardins e dessas noites
seria o início da morte.

Assim não seria se jovem
- com a idade de Telêmaco, talvez -
eu fosse visitado por Palas
e com a sua empresa tivesse
ido para longe de Ítaca.

Mas essa deusa de olhos glaucos, se existe,
é a fulgurante vigília das estrelas
que ardem nas noites límpidas e quietas:
trazido pelo vento, não chega
o marulhar das ondas contra as pedras.
Tudo o que ouço – sozinho nos fundos
da casa, perto da piscina –
é o que ouço desde menino:
morcegos que agitam as asas
e a faiscante trajetória dos vagalumes
e os gatos que andam sobre as folhas secas
e o frêmito que chega da cidade
e outro murmúrio, este tão misterioso
que ora penso ser o chispar dos astros próximos
e ora penso ser o lamento da vida
que de mim se evade.

E tudo é tão familiar: sei de onde virá o sol
e com que sutilezas uma estação ingressará na outra.
Portanto, se tudo é como na infância,
por que há noites em que a alegria verte-se em dor?
Por que um anseio por outro céu e outra casa
se a casa que habito e o céu que contemplo
é o que mais temo perder?
E por que desejo que as estrelas
sejam de fato a deusa dos olhos glaucos?

Se fecho os olhos, até imagino como ela
viria até mim, que decisivas palavras diria
e como depois, mudada em faiscante vagalume,
retornaria ao céu estrelado.
Eu ainda não escutaria, ao longe,
as ondas que rebentam contra as pedras,
mas talvez deixasse de temer
o crescente eco que de mim se acerca.

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