domingo, 7 de março de 2010

não é uma pena?

UMA MENINA NO FÓRUM E OUTRA MENINA NA RUA




É uma aldeia ínfima
e, todavia, a lei deve alcançar
o que é ínfimo assim:
as casas baixas, os rostos derruídos
por algo mais cruel do que o tempo
e mais cruel do que todas as quedas –
pois queda não há. Não aqui
onde o ar é transparência carmesim
onde o dia é a inútil permanência
da luz.


Aqui, beleza não foi criada
por homens ou pelo acaso: não há catedrais
e o arrebol de franjas róseas.
Não há a pujança dos trigais
após a terra cheirar a queimado.
Não há cerejeiras prestes
a serem cantadas e prestes
a serem vendidas.


Aqui, também o tribunal
é uma casa ínfima:
não há colunas de mármore
ou a deusa de olhos vazados
ou o latim gravado
nos portões de entrada –
"Deixai aqui, ó viajante,
toda a esperança".


O que existe, na aldeia,
são corações estragados
como pianos deixados ao sol
e às chuvas. Há tardes em que o vento
- sobretudo no falso limiar
do outono que nunca chega –
sopra sobre as teclas
e alguma melodia reverbera
e é como se fosse possível
o arrebol de franjas róseas
o louro ondular dos trigais
a doçura derradeira e inútil
de cerejas cantadas e depois vendidas
ou vendidas e depois cantadas.


Mas o vento cessa. O sol encrespa-se
e a beleza auguriada
não foi mais do que augúrio.
Não foi mais do que a vã
força de um dia que se verga:


Pelos corredores do fórum, uma menina
sente sumir o orvalho de seus olhos
e o seu corpo é cansaço e vontade.
Pelas esbraseadas ruas, uma menina
cheira a sol e cabelos crestados
e o seu corpo é pisoteado pelas cabras
até se tornar inútil para a colheita.

Um comentário: