sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Último Poema Para Carolina, Que Escrevia Versos Durante as Aulas de Matemática

Talvez estejamos velhos, eu e tu,
para os poemas escritos
durante as aulas de matemática,
entre os mistérios das equações.
Há o sol lá fora. O sol livre
e no entanto o sol que pesa
e a cada ombro humano que esmorece
outro o sucede, mais forte, mas não
forte o bastante, embora eu o saiba:
ainda não é esta a tua fraqueza
e talvez o teu cansaço seja apenas
o distante solfejo de asas negras
que por vezes rasgam a manhã
quando se deseja ainda ter o mundo
como se tem uma idéia plena
e é isto o que adoro em ti.


Talvez estejamos velhos, Carolina,
mas são velhices diferentes
porque diferentes são as fúrias
consteladas em mim e em ti
e diferentes são as palavras
que nascem do vazio
que um dia fomos: as minhas palavras
são as tardias poeiras de estrelas mortas
e as tuas palavras, menina,
as tuas palavras ainda são líquidas e ardentes
como a lava no núcleo de um planeta
onde haverá árvores
e frutos nestas árvores
e corpos livres a desejarem
e depois a desperdiçarem a liberdade
e depois a desperdiçarem o desejo
e depois a desperdiçarem
o tempo que se tornou o abismo
que começou em ti, Carol,
que começou em ti no instante
em que começou a tua coleção de mortos
(e de todos os mortos sabes ainda
os nomes e o modo como riam
e o modo como a brisa primaveril
lhes despenteava os cabelos
quando o próprio mundo era o suave desalinho
de um rio sem fluxo definido
embora nada mais haja para este rio
além de se somar ao oceano sem fim
e nada mais há para ti, rapariga,
além de alinhar reinos
pelo simples fato de ser césar
quem sonha pela primeira vez).


Talvez estejamos velhos, criança,
mas isto não se compara:
o que sei e o que julgo saber
não vale mais do que uma pálida elegia.
O que tu não sabes,
o que tu docemente desconheces
é exatamente aquilo
que tu evocas pelo nome
(o mundo, o mistério, o segredo
do fogo e o segredo para que os homens
sejam livres e bons) e isto
vale todos os épicos já escritos
e todos os épicos que nunca escreverei
pois o que te consagro,
o que tristemente te consagro
são poemas gastos
pelo que veio antes de ti
pois tanto, ah, tanto veio antes de ti
que há muito não canto um dia
sem noite que o preceda
e também por isso eu quero
cantar a ti, Carolina, cantar
o que torna o verde dos teus olhos
o verde dos teus olhos, cantar
um hino que seja o teu corpo
e também o sol que tento reter:
este sol em teus cabelos
este sol em teus seios
este sol em teus cheiros de piscina
este sol em tuas entranhas
este sol que encontra o teu semblante
quando findam as aulas de matemática
e ainda é meio-dia.

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