terça-feira, 5 de maio de 2009

Poema

MARIANA

Se existe candura nas manhãs
esta candura cheira a flores queimadas
pelo orvalho, cheira a terra umedecida
pelo que foi o luar e que agora
é a palidez que se esbate, é o naufrágio
- em esbraseados tons de vermelho -
da última estrela da madrugada.

Se existe candura nas manhãs
é porque o mais negro silêncio
é agora um canto de pássaros,
é porque da terra ergue-se uma voz
apenas pressentida durante a noite
e que agora é cristalina, é fecunda
como um rio de águas claras
murmurejando nas sombras.

Se existe candura nas manhãs
é porque Mariana abre os olhos,
é porque o seu rosto se acende,
é porque o sangue volta a convulsionar
e lamenta o sonho que deixou de ser sonhado
pois cada manhã é continuação e recomeço,
cada manhã é uma dádiva ao corpo
e Mariana – espírito ainda entorpecido
mas carne fremente – sai
para uma corrida pelo bosque:
o ar frio magoa-lhe a pele
e o rubor surgido nas maçãs do rosto
é o rubor da vida que perdura,
é o rubor das açucenas
que resistem ao orvalho e ao sol.
Assim Mariana corre pelo bosque:
nos olhos, a tristeza pelo sonho que deixou de ser
é um começo de alegria agora,
é um desamparo que se muda em desejo,
é um desejo que se muda em força,
é uma força que antes de se esgotar
adensa as manhãs e coloca um cheiro de sangue
- fecundo e quente sangue feminino -
em cada tremor de luz, em cada árvore,
em cada canto de pássaro,
em cada continuação e recomeço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário